02.062018
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Exigir CNH na sindicância de vida pregressa no concurso de soldado da BM é ilegal.

A ilegalidade da exigência de apresentação da CNH na sindicância de vida pregressa no concurso para soldado da Brigada Militar do Estado do RS

Não se pode negar que para ingressar no serviço público o candidato precisa superar inúmeras barreiras: esforço intelectual e físico, superação do peso emocional no momento da avaliação e, não menos importante, o entrave documental (ou, para alguns, burocrático).

Para o presente, importa breve análise da exigência editalícia de apresentação da CNH no momento da sindicância da vida pregressa no concurso de soldado da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul.

Valendo-me das lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto  o concurso público formalmente considerado, pode ser entendido como:
(…) procedimento administrativo declarativo de habilitação à investidura, que obedece a um edital ao qual se vinculam todos os atos posteriores. O edital não poderá criar outras condições que não as que se encontram em lei.
Entre os princípios basilares pertinentes à área tem-se o da Vinculação ao Instrumento Convocatório que, de modo bastante simplista, pressupõe que as disposições do edital devem ser inquestionavelmente cumpridas.

Todavia este preceito ganha limitações, sobretudo quando evidenciada ilegalidade e/ou ofensa a um dos vários princípios de Direito Administrativo.

Na distinção dos diversos documentos a serem apresentados, tem-se aqueles que são imprescindíveis para a realização das etapas de avaliação, como, por exemplo, atestados relacionados ao exame de saúde para feitura da prova física, que transcende a questão da análise documental e da saúde do futuro servidor e se estende ao resguardo do certamista.

Outros documentos são de exigência do cargo, ou seja, são essenciais para exercício do cargo público almejado, como formação determinada  (diplomas, cursos, certificados… et…) e a importante carteira de habilitação- CNH.

A controvérsia envolvendo a exigência apresentação da CNH durante o concurso é recorrente no Judiciário. Mesmo passados 15 anos da Súmula 266 do STJ, seguem os exaustivos debates sobre o tema.

Até meados de 2012 a maioria dos julgados proferidos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul concluía ser legítima a exigência de apresentação da CNH no decorrer do concurso, eis que o documento era fundamental para o Curso de Formação onde os alunos-soldados seriam capacitados para as suas funções.

Timidamente e após incontáveis decisões desfavoráveis sobre o tema, contrariando o entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, a partir de 2012 a maior parte das decisões garantem ao candidato o direito de apresentar a CNH quando do ingresso na carreira pública.

APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. BRIGADA MILITAR. GRADUAÇÃO DE SOLDADO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO DO CERTAME. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO QUANDO DA SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA. DESCABIMENTO. LEI ESTADUAL Nº 12.307/2005. ENTREGA DO DOCUMENTO POR OCASIÃO DO INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO. RAZOABILIDADE. A Súmula nº 266 do Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que a habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigida no ato da posse. Assim, o preenchimento dos requisitos exigidos para o exercício do cargo deve ser comprovado na ocasião da posse, que na situação ocorre após a conclusão do Curso Básico de Formação Policial Militar, quando da lotação na graduação de Soldado. A exigência de apresentação do documento de quitação do serviço militar obrigatório durante o “Ingresso/Inclusão – Sindicância da Vida Pregressa” não se mostra proporcional. A proporcionalidade exige que a Administração Pública, considerando as circunstâncias do caso, não atue com excesso, nem com inoperância. Caso em que o autor, no curso da lide, comprovou a obtenção do documento, antes do término do Curso de Formação. Entendimento da jurisprudência do TJ/RS. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO, POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA (ART. 557, “CAPUT”, DO CPC). (Apelação Cível Nº 70070882014, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 08/09/2016)

CONCURSO PÚBLICO. BRIGADA MILITAR. GRADUAÇÃO DE SOLDADO. EDITAL Nº 4 A/CBFPM/2009. MOMENTO DA EXIGÊNCIA DE CNH. VERBETE Nº 266 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Tendo o apelado logrado êxito nas demais fases do certame, a apresentação da CNH, cuja exigência é plenamente plausível, dar-se-á por ocasião da posse ou, no máximo, no curso de formação e não quando da realização da sindicância da vida pregressa. E esta orientação, estribada no verbete nº 266 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes catalogados. Matéria pacificada. 2. Honorários advocatícios reduzidos em observância ao princípio da moderação e às balizas do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC. 3. A verba honorária será atualizada desde a sentença. Considerando a data da sentença, ou seja, quando já em vigor a nova redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, conferida pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09, sua aplicação é impositiva nos termos das reclamações enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal na modulação dos efeitos da ADI nº 4.357-DF. Por isso, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Ante a modulação dos efeitos das ADI s 4.357 e 4.425 pelo Supremo Tribunal Federal, a fórmula de atualização conferida pelo art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/90, vigorará até 25MAR15, quando passará a ser aplicado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), como fator de atualização monetária. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO QUANTO AO MAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70048901029, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 14/03/2016
A divergência no entendimento é observada pela dificuldade de se distinguir se a habilitação serve como documento prévio à próxima etapa do concurso ou para o cargo, tarefa que recai sobre o Judiciário pela confusa legislação estadual quanto aos servidores militares.

O tema segue comportando discussão no que diz respeito à carreira militar estadual no Rio Grande do Sul onde a lei não obedece ao rigor técnico na distinção de nomeação, posse, investidura e exercício e usa de forma irrefletida o termo “inclusão” como se observa do julgado abaixo, cuja decisão foi desfavorável à candidata:
RECURSO INOMINADO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO, NA BRIGADA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, DE VAGAS DE PRAÇA DE POLÍCIA OSTENSIVA – SOLDADO DE 1ª CLASSE – QPM-1/BM. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS, DENTRE OS QUAIS CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, POR OCASIÃO DA INCLUSÃO NA BRIGADA MILITAR. LEGALIDADE. SÚMULA 266 DO STJ. Integram a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, enquanto servidores militares da ativa (art. 3º, § 1º, I, da LC/RS 10.900/97), (a) os servidores militares de carreira, (b) os servidores militares temporários, (c) os componentes da reserva remunerada, quando convocados, e (d) os alunos de órgãos de formação de servidor militar da ativa, sendo estes, no circulo hierárquico, conforme a escolaridade da carreira visada, de praças especiais ou praças (art. 14 da LC/RS 10.900/97). Já o ingresso, propriamente, na carreira militar da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, o que é reservado aos servidores militares da ativa (art. 5º, parágrafo único, da LC/RS 10.900/97), pressupõe aprovação no respectivo curso de formação, conforme estampado no art. 8º, caput, da Lei/RS 12.307/2005. Nesse contexto, o Estado do Rio Grande do Sul fez publicar o Edital DA/DRESA nº SD-P 01/2011/2012 Soldado de 1ª Classe – QPM-1/BM, com o qual abriu e disciplinou concurso público para provimento, na Brigada Militar, de 1.400 (mil e quatrocentas) vagas de Praça de Polícia Ostensiva – Soldado de 1ª Classe – QPM-1 (Carreira de Nível Médio), e outras que vierem a surgir no período de validade do certame (item 1.1. do Edital); ou seja, o concurso visa a selecionar Praças, designação dada, pela legislação de regência, aos alunos de órgãos de formação de servidor militar da ativa para ingresso na carreira de nível médio. Conseguinte, legal e razoável se mostra o referido Edital exigir que os candidatos aprovados em todas as fases do concurso apresentem Carteira Nacional de Habilitação (art. 2º, XV, da Lei/RS 12.307/2005), quando da apresentação dos demais documentos e sindicância da vida pregressa (item 9.2 do Edital) tendentes à inclusão na Brigada Militar (10.1 do Edital), que, em se concretizando, os faz servidores militares (item 10.2 do edital), na condição, com a inscrição no Curso Básico de Formação Policial Militar, de Praças. De efeito, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, está pacificado que a habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigida na posse (Súmula 266), o que, no caso em foco, se identifica, na expressão do Edital DA/DRESA nº SD-P 01/2011/2012 Soldado de 1ª Classe – QPM-1/BM, com a denominada inclusão na Brigada Militar, oportunidade na qual os já servidores militares são matriculados no Curso Básico de Formação Policial Militar. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO A SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. (Recurso Cível Nº 71004550760, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: José Antônio Coitinho, Julgado em 22.08.2013)

Pelo entendimento técnico da subscrevente é ilegal a previsão editalícia de apresentação da CNH na sindicância de vida pregressa, eis que trata de documento indispensável ao exercício do cargo e não para as etapas do processo seletivo, bem como por ausência de previsão em lei em sentido formal.

Felizmente o cenário judicial se mostra favorável na tutela do direito do aspirante à carreira militar, principalmente quando o profissional que atuará na lide tem experiência na área para analisar e reduzir os riscos da demanda.

Autora: Dienefer Letiére Seitenfus

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