17.102023
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Completivo Irredutibilidade

Em 2020 sobreveio uma legislação estadual transformando os vencimentos (soldo + vantagens temporais) em subsídio que implica na soma de todas as vantagens em um único valor e não pode servir como base para nenhuma vantagem, exceto horas extras.

Parágrafo único. O adicional de que trata o § 1º do art. 23 da Lei Complementar nº 10.990/97 será correspondente à diferença entre o soldo do posto ou graduação do militar designado e àquele do posto ou graduação assumido, observados, como base de cálculo, os valores estabelecidos no art. 1º da Lei nº 14.517/14 e no Anexo Único da Lei nº 14.438/14, vedada a utilização do subsídio como base de cálculo.

Sobre o subsídio, cabe a transcrição da lição de Maria Sylvia Di Pietro em sua obra Direito Administrativo:

Ao falar em parcela única, fica clara a intenção de vedar a fixação dos subsídios em duas partes, um fixa e outra variável, tal como ocorria com os agentes políticos na vigência da Constituição de 1967. E, ao vedar expressamente o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, também fica clara a intenção de extinguir, para as mesmas categorias de agentes públicos, o sistema remuneratório que vem vigorando tradicionalmente na Administração Pública e que compreende o padrão fixado em lei mais as vantagens pecuniárias de variada natureza previstas na legislação estatutária.

[…] No entanto, embora o disposto fale em parcela única, a intenção do legislador fica parcialmente frustrada em decorrência de outros dispositivos da própria Constituição, que não foram atingidos pela Emenda. Com efeito, mantém-se, no art. 39, § 3º, a norma que manda aplicar aos ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI[1], XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX. Com isto, o servidor que ocupe cargo público (o que exclui os que exercem mandato eletivo e os que ocupam emprego público, já abrangidos pelo art. 7º) fará jus a: décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-família, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do normal, adicional de férias, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e salário, com a duração de cento e vinte dias.

Poder-se-ia argumentar que o § 4º do art. 39 exclui essas vantagens ao falar em parcela única; ocorre que o § 3º refere-se genericamente aos ocupantes de cargo público, sem fazer qualquer distinção quanto ao regime de retribuição pecuniária. Quando há duas normas constitucionais aparentemente contraditórias, tem-se que adotar interpretação conciliatória, para tirar de cada uma delas o máximo de aplicação possível. No caso, tem-se que conciliar os §§ 3º e 4º do artigo 39, de modo a entender que, embora o segundo fale em parcela única, isto não impede a aplicação do outro, que assegura o direito a determinadas vantagens, portanto, igualmente com fundamento constitucional.

Também não podem deixar de ser pagas as vantagens que têm caráter indenizatório, já que se trata de compensar o servidor por despesas efetuadas no exercício do cargo; é o caso das diárias e das ajudas de custo. Não se pode pretender que o servidor que faça gastos indispensáveis ao exercício de suas atribuições não receba a devida compensação pecuniária. Trata-se de aplicação pura e simples de um princípio geral de direito que impõe a quem quer que cause prejuízo a outrem o dever de indenizar. [grifo original] (PIETRO, 2005, p.463-464).

Com o estabelecimento de valores do subsídio, alguns militares, sobretudo aqueles com maior tempo de BM, ‘ganhariam’ menos, o que é vedado constitucionalmente, fazendo-se necessário a criação do ‘completivo irredutibilidade’.

O completivo irredutibilidade tem natureza transitória e, como regra, é equivalente à diferença entre o subsídio fixado para a graduação ou posto e o equivalente ao soldo/vencimento básico, vantagens temporais ou sobre as que já estiverem incorporadas à remuneração ou aos proventos de inatividade e pensão.

A ‘ideia da legislação’ é estabelecer linearidade no valor recebido pelo militar da mesma graduação ou posto. Não há intenção de se debater nesse arrazoado se a medida é certa ou errada, embora se possa entender reflexo e alguma deturpação da ideia hierarquia-antiguidade.

Pela natureza transitória da parcela e o objetivo de que os valores recebidos sejam lineares entre os pares da mesma posto ou graduação, à medida que a categoria for reajustada, o completivo acabará sendo reduzido.

Não se ignora que um Reajuste, p.ex., de 10% para toda a categoria, pode beneficiar um militar (normalmente com menos tempo de carreira), enquanto outro, com mais tempo, não observará, no plano fático, um aumento efetivo, mas, sim, a ‘absorção’ deste pelo completivo, com a sua redução ou até encerramento, sem experenciar o aumento efetivo.

A situação acima exposta não se confunde com Revisão Geral da Remuneração que, de forma bastante simplista, tem por objetivo a recomposição das perdas inflacionária, não configurando aumento propriamente dito. Na situação de Revisão Geral de Remuneração, não haverá redução do completivo, mas, ao contrário, a parcela será também revisada.

O completivo também é devido – nos casos em que ainda exista diferença entre o que o militar recebia e o subsídio fixado da sua graduação ou posto  – para os inativos, não se podendo esquecer que com os Reajustes da categoria, o completivo tende a reduzir ou a findar.

Há outros debates que surgem com a instituição do subsídio como regime de vencimento: possibilidade de cumulação com Função Gratificada (e aqui abre-se mais um tema: a possibilidade de incorporação da FG na inatividade para quem adquiriu o requisito antes de 04/02/2020- ECE 78/2020), Bônus Eficiência e/ou Efetividade e pagamento de horas extras, sendo estes viáveis, conforme posição consolidada pelo STF pelas ADI’s 4.941.  6.562 e 5.404.

Outra questão que traz dúvida é a perda do completivo irredutibilidade pela promoção.

Embora essa profissional discorde em absoluto, o entendimento das Cortes Judiciais vai no sentido de que a majoração remuneratória advinda da promoção reduz o completivo. Factualmente pode ocorrer de um servidor ser promovido e não receber aumento concreto já que o novo subsídio poderá implicar em redução ou cessão do completivo.

Na defesa desse posicionamento, está o raciocínio que a constituição veda a irredutibilidade de salário e, no plano fático, o servidor não estaria sofrendo redução, embora não estivesse recebendo o aumento.

Colaciona-se trecho do Parecer 1533/2010 da PGE que elucida o ponto trazido:

(…) E isto porque a regra constitucional da irredutibilidade de vencimentos incide sobre aquilo que o empregado vinha legitimamente percebendo no momento em que sobrevém nova disciplina legislativa pertinente aos valores correspondentes à retribuição legalmente devida pelo exercício daquele mesmo emprego ou função (Pareceres 14.809/08, 14.810/08, 15.199/10, entre outros). Desse modo, optando a Administração por manter o empregado no exercício da mesma função de confiança (ainda que sob a roupagem do novo plano), deverá satisfazer a remuneração nominal anterior, mediante o pagamento de uma parcela completiva, a título de vantagem pessoal. Tal parcela completiva, na forma da orientação já consagrada por esta Procuradoria-Geral (Pareceres 14.139/04, 14.419/05, 15.216/10, 15.247/10) sofrerá incidência apenas dos índices de revisão geral que forem concedidos e será absorvida pelos reajustes futuros específicos conferidos à categoria funcional ou ao empregado, ou seja, as modificações do valor da remuneração em decorrência de promoções, de alteração de gratificações ou de concessão de reajuste que não se confundam com revisão geral devem acarretar diminuição no valor da parcela completiva. Grifo da subscrevente

Inconteste que o completivo irredutibilidade acaba se confundindo em essência com as vantagens temporais do servidor. A diferença remuneratória entre militares da mesma graduação ou posto estava (e ainda está, justamente por força do recebimento da parcela irredutibilidade) atrelada ao seu tempo de serviço/vantagens temporais.

A reforma no sistema remuneratório não se tratou de mera alteração conceitual, advém de um marco de Reforma Administrativa que ganhou força no ano de 2019 e teve robustez para alteração da Constituição Estadual, mormente através da ECE 78/2020.

A emenda constitucional citada extinguiu as vantagens temporais dos servidores civis e militares, ativos e inativos, mas não sem antes induzir a crer em alguma preservação do direito galgado pelo servidor nos anos de atividade em prol do estado estabelecendo no parágrafo 1.º do artigo 3.º que aquelas vantagens que estivessem em curso seriam concedidas na ordem de 1% por tempo de serviço até a entrada em vigor da norma e, mais, definiu que nos casos de promoção (e outros provimentos) o percentual consolidado seria pago com base no vencimento básico do cargo a ser ocupado, porém, essa disposição não se aplicaria àqueles que percebem por subsídio, ou seja, a maior parte do funcionalismo estadual e, especialmente, os militares.

ECE 78/2020

Art. 3º Ficam extintas e não mais serão concedidas vantagens por tempo de serviço atribuídas aos servidores públicos civis e aos militares, ativos e inativos, inclusive aos ocupantes de cargo em comissão, em decorrência de avanços, anuênios, triênios, quinquênios, adicionais ou gratificações de 15 (quinze) e de 25 (vinte e cinco) anos, vedada a sua reinstituição, preservados os respectivos percentuais implementados, nos termos da legislação vigente, até a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, observado o disposto nos §§ 1.º e 2.º deste artigo.

  • 1º As vantagens por tempo de serviço de que trata o “caput” deste artigo cujo período aquisitivo esteja em curso serão concedidas, em percentual igual ao tempo de serviço em anos, à razão de 1% (um por cento) ao ano, computados até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, cabendo o pagamento somente ao implemento do tempo de serviço público legalmente previsto para a respectiva aquisição, considerando-se, quando for o caso, para efeitos de percentual de concessão, fração superior a 6 (seis) meses como um ano completo.
  • 2º Em caso de novo provimento de cargo efetivo, inclusive mediante promoção, ou de cargo em comissão, após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, as vantagens temporais adquiridas, nos termos da parte final do “caput” e do § 1.º deste artigo, incidirão, observado o percentual correspondente, sobre o vencimento básico do cargo que venha a ser ocupado, exceto quanto àqueles remunerados por meio de subsídio.

O texto da Constituição Estadual, pós emenda 78/2020 não destoa dos preceitos da Constituição Federal norma que seria hierarquicamente superior.

Por fim, é preciso comentar sobre situações concretas que tomaram as mídias sociais nas últimas semanas sobre militares que comentaram sobre o êxito obtido em obter o pagamento do completivo e quanto a referência de que esse seria um ‘direito adquirido’ e que seria pago ‘para sempre’.

Como exposto, é assente o entendimento de que o completivo tem natureza transitória e com objetivo específico de, na mudança de sistema remuneratório, não reduzir a remuneração do servidor.

A medida que a categoria receber aumentos (distintos da RGA -Revisão Geral Anual) ou for promovido, o completivo será reduzido até cessar.

É possível que o IPERGS, ao publicar a reserva de um militar, não tenha descrito o pagamento do completivo, embora o estivesse pagando (caso concreto de uma Tenente consultado pela subscrevente), um vício meramente formal que se resolveu com a complementação da publicação.

Também se vislumbrou equívoco do IPERGS quando da publicação do ato de reserva e do próprio pagamento ao não inserir o completivo que, sim, é devido mesmo ao inativo ‘enquanto perdurar’- o que significa, enquanto persistir diferença entre, no caso, os proventos e o subsídio fixado para o posto ou graduação. O completivo será pago e irá reduzindo enquanto a diferença existir, podendo ser, eventualmente, até o fim da vida do militar da reserva ou reformado ou não, a depender de sua longevidade.


Assunto: Transferência para Reserva Remunerada
Expediente: 23/xxxxx
Nome: xxx
Id.Func./Vínculo: 23xxxx
Tipo Vínculo: efetivo
Cargo/Função: Capitão
Lotação: BM – CPM/AfastadosO DIRETOR-PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – IPE Prev, no uso das atribuições
que lhe são conferidas pela Lei Complementar Estadual nº 15.143/18, art. 14, inciso VIII, art. 40, inciso II,
TRANSFERE PARA A RESERVA REMUNERADA, no posto de Capitão, de acordo com a LC 10990/97, arts. 100, I, 104, I, 105; LC
15454/20, art. 1º; DL federal 667/69, art. 24-G, I; devendo perceber, na inatividade, proventos mensais
correspondentes ao subsídio do seu posto e Completivo/Irredutibilidade, enquanto perdurar.

Na mesma situação divulgada em mídias sociais, foi observado que o IPERGS desconsiderou a incorporação de uma FG que o militar já tinha incorporado e antes da ECE 78/2020 (04/02/2020).

As circunstâncias divulgadas, portanto, foram uma situação bastante específica daquele militar e que não se estende a toda a categoria de forma indiscriminada, neste momento, cada militar ganha completivo de acordo com as vantagens temporais que estavam em curso e terão seu completivo aumentado quando da Revisão Geral Anual, mas, ao que tudo indica, o terão diminuído a medida que a categoria receber aumento ou for promovido.

Dúvidas pontuais sobre a composição do completivo no contracheque, sobre o pagamento de 1% por ano de serviço fechado ou fração de 06 meses completas até o advento da ECE 78/2020 em 04/02/2020 sugere-se sejam encaminhadas  para o DA- Divisão de finanças, e-mail dadf-svs@bm.rs.gov.br.

Com a resposta, aquele que for cliente do escritório pode encaminhar para avaliação da Área Cível.

É importante registrar que o presente parecer não tem caráter definitivo, sobretudo porque essa profissional discorda das premissas adotadas pelo Judiciário e entende a distorção que se instala quando um militar é promovido ou na situação de reajuste da categoria onde não haverá aumento real. Nessa linha a subscrevente seguirá estudando e revisitando o tema na busca de criar argumentos para defesa da categoria.

Dienefer L. Seitenfus
OAB/RS 58.892
Advogada Responsável pela Área Cível da Rodrigues Silveira Advocacia

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