13.062023
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Considerações sobre a Lei do Superindividamento

Muitos clientes têm procurado o escritório indagando sobre a LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO.

Diante da circunstância, importante uma explicação geral para que aquele que esteja em situação de endividamento possa refletir sobre o tema.

Em 2021 o Código de Defesa do Consumidor foi alterado pela Lei 14.181/2021 tratando de questões sobre endividamento e por isso recebeu o nome de  Lei do Superendividamento.

Essa legislação criou o “Processo de Repactuação De Dívida”.

Não há uma norma que estabeleça de forma objetiva quem é considerado “superendividado”, existindo um entendimento dos tribunais que aquele que tem acima de 35% dos seus ganhos comprometidos com empréstimos e cartão de crédito está nesse conceito (e pode fazer uso deste ‘novo’ processo).

Seguindo a perspectiva da legislação, o devedor superendividado pode propor uma ação com objetivo de repactuar as suas dívidas e garantir a sua subsistência. Neste processo, deve ser apresentada a relação dos credores, valores das dívidas, encargos e proposta de pagamento parcelado, com comprometimento de, no máximo, 35% da renda do devedor, com cálculo de encargos e taxas tal qual estabelecido no contrato e dentro de período que não ultrapasse 05 anos.

Não entram na hipótese da lei, ou seja, não podem ser repactuadas no processo, dívidas de alimentos, débitos com pessoas jurídicas de Direito Público (União, Estados, DF e Municípios, autarquias…), de aquisição de produtos e/ou serviços de luxo, contratos feitos de forma dolosa com intenção de inadimplência, contratos de cédula rural, contratos de crédito com garantia real, ex. financiamento imobiliário, ou seja, de  imóveis, veículo ou qualquer um que um bem tenha sido dado em garantia

A Lei do Superendividamento cria, portanto,  a possibilidade de o devedor ofertar um processo contra todos os seus credores (enquadrados na legislação) oferecendo uma proposta de repactuação da dívida no prazo de até 05 anos com as mesmas taxas e garantias do contrato original:

Necessário pensar qual o benefício na prática.

Se o devedor tem empréstimos longos com parcelas para os próximos 60 meses ou mais, o Processo de Repactuação de Dívida parece não ter sentido, já que o prazo de pagamento está limitado a 05 anos.

Como a proposta deve ser estabelecida nas mesmas condições (taxas e garantias) do contrato original, não há abatimento de encargos, a situação se assemelha, em algum ponto, a negociar com a própria instituição financeira, reparcelando o débito.

Prolongar o pagamento de uma dívida é uma medida que deve, dentro do possível, ser evitada porque ela agrega um custo maior ao cliente – em termos coloquiais –  a dívida vira uma bola de neve.

Cabe fazer o seguinte exercício mental:

Se eu contratar uma pessoa para prestar um serviço 1 x por mês por R$ 100,00 no final de 1 ano eu gastarei R$ 1.200,00 com ela. Já no final de 2 anos, R$ 2.400,00.Em 3 anos, R$ 3.600,00.

Os juros de empréstimos são chamados de REMUNERATÓRIOS, eles remuneram o serviço prestado pelo banco (de emprestar). Se o banco emprestar dinheiro por 1 ano para o cliente, ele prestará o serviço por 1 ano e o valor desse serviço será X, já se forem 2 anos, serão 2X e assim sucessivamente.

Se a pessoa tem um empréstimo consignado em 36 parcelas com desconto de 50% do seu salário e quiser reduzir para 35% (base utilizada pelos tribunais), possivelmente terá que aumentar o número de parcelas em, aproximadamente 20 meses, ou seja, serão devidos mais juros remuneratórios porque o banco prestará o serviço de empréstimo por mais tempo.

É de se lembrar: a legislação estabelece que o plano de pagamento deve observar as mesmas taxas, encargos e condições do contrato firmado, embora exista a possibilidade de postular a redução se o contrato não estabelecer todas as informações referentes à obrigação assumida (taxa de juros, prestações, valor total a ser pago…),  a instituição financeira não passar todas as informações e riscos do contrato, indicar que a operação será concluída sem consulta ao SPC, SERASA ou outro serviço de proteção ao crédito, pressionar ou assediar o consumidor, condicionar a concessão do empréstimo a renúncia de direito de ação.

Também é importante considerar que para mover o Processo de Repactuação será preciso constituir advogado, idealmente contratar um contador para calcular os encargos pelo prolongamento da dívida e estabelecer um valor de proposta de modo compatibilizar com os critérios do Judiciário e da legislação (manter o comprometimento de 35% dos ganhos do devedor e pagar todos os débitos em 05 anos) e, em determinadas circunstâncias, arcar com custas processuais e honorários sucumbenciais (ao advogado da parte contrária).

Ao ingressar com a ação os credores serão chamados ao processo para se manifestarem se concordam ou não com a proposta de pagamento do devedor. Caso não concordem, o juiz pode ‘obrigar’ os credores a aceitarem um plano de pagamento que combine: manter a subsistência do superendividado (com comprometimento de até 35% de sua renda) e viabilizar o pagamento da dívida dentro do prazo e condições definidos em lei.

Ainda não se tem falado sobre dificuldades práticas – como o valor do endividamento ser tamanho que não se consiga conciliar o comprometimento de 35% da renda do devedor e a quitação da dívida (com os encargos originários do contrato) dentro dos 05 anos.

Essas explicações são apenas a título de reflexão na mira de esclarecer não apenas sobre a Lei do Superendividamento, do processo criado por ela e de como ele se forma e se desenvolve, mas também o reflexo dela na vida/extra processo.


POSSIBILIDADE EXTRAJUDICIAL

Uma opção viável para a população do Estado do Rio Grande do Sul é buscar o PROJETO do superendividamento do Poder Judiciário que tem uma proposta de mediar os interesses entre devedores e credores de forma muito semelhante ao que a legislação de 2021 criou.

Neste projeto o devedor leva a lista dos seus credores, valores das dívidas e eles são chamados em uma sessão de mediação para se buscar um acordo.

Não é preciso de advogado, pois trata-se de uma mediação, intermediada por um mediador onde será buscada uma forma justa de pagamento da dívida.

Eis o link para solicitação da mediação com os credores: https://apps.tjrs.jus.br/methisweb/pre-atendimento

O Projeto do Superendividamento do TJ é mais antigo que a Lei 14.181/2021 e uma alternativa eficaz para a não judicializar o conflito, ou seja, não mover um processo e arcar com todos os riscos e gastos inerentes.

Com as informações apresentadas, espera-se que aquele que passa pela difícil situação de endividamento, tenha condições de decidir com lucidez sobre a melhor alternativa para manter sua subsistência, honrar os compromissos assumidos e viabilizar uma recuperação financeira.


Dienefer L. Seitenfus
OAB/RS 58.892
Advogada responsável pela Área Cível da Rodrigues Silveira Advocacia

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